terça-feira, 5 de abril de 2016

LIXEIRAS A CÉU ABERTO NO CENTRO DE GAIA: UM PERIGO PARA A SAÚDE PÚBLICA


Inseridos no contexto de uma civilização europeia do século XXI, torna-se difícil compreender o descalabro de um cenário horripilante ao qual os nossos olhos e narizes assistem diariamente: amontoados de lixo nos passeios que somos obrigados a ver e a cheirar, colocando-se deste modo a saúde pública em perigo.
Lixeiras a céu aberto encontram-se por toda a cidade de Vila Nova de Gaia. Poderíamos, sem qualquer dificuldade, enumerá-las a todas, mas o espaço que nos é destinado não permite contemplar a imensidão de lugares em que tal acontece. Escolheu-se como exemplo uma “lixeira” mesmo no coração da cidade, numa das ruas mais movimentadas e frequentadas: a Rua Marquês Sá da Bandeira. É lá que se encontra diariamente um cenário inacreditável nos tempos que correm, não só pela triste e nauseabunda paisagem que a todos afeta, mas também, e muito importante, por se tratar de uma questão de salubridade pública. O espetáculo da paisagem é degradante e reporta-nos a um quadro pintado como se de um território de terceiro mundo se tratasse, ou até mesmo de um retrocesso à época medieval. Para quem convive no seu quotidiano profissional com esta realidade, a invariável rotina consiste no seguinte: Pelas nove horas da manhã, os dois contentores da referida rua estão vazios mas, num curto espaço de tempo, os mesmos começam a ser utilizados até chegarem ao ponto de transbordar, tal é a quantidade de detritos que lá se depositam e que decorre da normal utilização quer por parte do relevante número de moradores, quer dos estabelecimentos comerciais. Incapazes de absorver tamanha quantidade de lixo, o espaço em redor dos contentores acaba também ele por ser pouco para tudo o que ali se amontoa ao longo do dia, tendo que se aguardar pela volta habitual do carro noturno responsável pela recolha para que o lixo seja retirado. Recorde-se que, nas horas de maior movimento, o lixo chega mesmo a ocupar todo o passeio! A poucos metros, convivem com esta realidade visual decadente, associada a um cheiro pestilento, restaurantes, cafés e outros estabelecimentos comerciais. E o comum transiente timidamente acaba por encontrar como alternativa o atravessar a rua para o outro lado, ziguezagueando numa gincana de detritos, gordura e maus-cheiros, causa potencial para desenvolvimento de pequenos “ecossistemas de bicharada”, num claro e evidente atentado à saúde pública. Numa rua tão central, calcorreada por pessoas de idade e crianças, faixas etárias tão vulneráveis, a exposição a bactérias ali concentradas, sobretudo na época veraneia onde o calor é o principal fator de disseminação de determinadas doenças, representa um exemplo paradigmático de um cenário inimaginável que deve, sem dúvida, ser objeto de questionamento, discussão e intervenção imediata. Mais do que nunca, e agora que se assiste por exemplo ao flagelo do Ébola que está a abalar o mundo, cabe-nos obrigatoriamente a responsabilidade cívica de um combate sério à propagação deste tipo de doenças (que se disseminam por via da falta de higiene pessoal e ambiental), atentando à necessidade de manter os espaços públicos limpos, desinfetados e devidamente tratados.
Adicionalmente, e não menos importante, este ruído visual e olfativo tem igualmente um impacto negativo em termos urbanísticos do ponto de vista do turismo. Numa cidade com mais de 300 mil habitantes (Censos, 2011), quem nos visita corre o risco de não encontrar uma paisagem de todo agradável e, com um olhar crítico, acabará por lamentar o que vê, porque não foi este o destino turístico que lhe “venderam”.
Tendo em conta este panorama, os governantes com responsabilidades locais não devem esperar pelo “grito do Ipiranga” da população para se consciencializarem de uma realidade que é da inteira responsabilidade da gestão autárquica. Será assim tão difícil resolver estes problemas, em si pequenos quando comparados com as consequências nefastas que daí possam advir? Será assim tão difícil e tão honorário arquitetar alternativas viáveis para conviver com as exigências de uma cidade desenvolvida do século XXI?
A título exemplificativo, podemos referir a possibilidade da construção de contentores subterrâneos que, segundo a legislação atual, se torna mesmo obrigatória nas urbanizações, de forma a acomodar o armazenamento do lixo dos seus habitantes. No entanto, e parecendo até paradoxal, o que a entidade urbanística camarária exige aos outros acaba por não cumprir, porque não desenvolve estas infraestruturas nos espaços públicos. Não ter políticas estruturadas para a resolução destes problemas é, no mínimo, preocupante. E não se desculpem os senhores que traçam os destinos de Gaia com a inexistência de verbas, porque é sabido que até existem, mas há que ter em conta as verdadeiras prioridades. Não basta ter poder, é preciso boa vontade e olho clínico para as necessidades prementes da população, agindo proativamente na resolução de problemas que afetam o bem-estar dos gaienses. É urgente formar políticos eficientes e informados, que estejam sensíveis a uma análise contextual holística e simultaneamente particular das autarquias que gerem. Como nos referiu há poucos dias D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal: “Um político genuíno é aquele que se esforça, aquele que não dorme nem come, para que se criem as condições mínimas e as comunidades sejam minimamente felizes”. Eu acrescentaria: não só minimamente felizes, como naturalmente mais saudáveis.

Autora do artigo: Alcina Santos Silva